quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Tudo era diferente.
O modo como mexia nos cabelos sedosos, como se curvava sobre a mesa para escrever em concentração, como se recostava na cadeira com leve desleixo, como observava quando escutava, como gesticulava quando falava, como flexionava a voz, como ria das brincadeiras alheias e como ria das próprias gracinhas.
Tudo era diferente.
E ainda assim, o cheiro, o perfume.
Bebia da sua essência pelo olfato, o mais intenso de todos os sentidos.
E encontrava ali mais uma pegada do passado. Uma poça enlameada com o formato da pisada de quem já se foi.
Se foi sob a torrente de todas as decepções.
A essência que sentia nesse exato momento vinha quase que com um frio de chuva daquele verão ensolarado.
A essência poderia me tragar de volta ao passado, procurando por um sol inexistente entre as nuvens pesadas e preguiçosas em partir.
A essência, somente a essência, teria esse poder.
Mas, dessa vez, apenas pulei a poça, me livrei da lama que respingou e segui em frente.
Não seria possível que o mesmo cheiro me levasse pelo mesmo caminho, me deixasse com uma mesma pegada à frente, com as mesmas roupas encharcadas.
Não seria possível.
O caminho era outro.
O passo era outro.
Eu era outra.
Tudo era diferente.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Doralices

Eu te disse, Doralice, que não andasse por aquelas bandas.

Não bebesse daquela água.
Não deitasse naquela relva.

Eu te disse, Doralice, que não se enganasse pelos olhos.

Não se deleitasse com o certo toque.
Nem se inebriasse pela particular essência.

Eu te disse, Doralice, que não se deixasse levar pelas vontades.

Não se entregasse aos devaneios.
Não se iludisse com os sonhos.

Eu te disse, Doralice, assim como tantos outros:

Andar pelas sertanias que não domina é andar pelo coração de quem não te ama. 

Eu te disse, Doralice, mas cansei de dizer:

Desbravar fronteiras é para os bandeirantes, não para Doralices.