quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Agenor vivia em estado constante de agonia.
Gemia ante a escuridão que ocupava sua mente.
Debatia-se contra as amarras invisíveis que cegavam sua arte.
Parecia que a própria Terra prendia sua inspiração na lava que continha em núcleo.
Desde que seus pensamentos e anseios se viram livres de sua paixão por Ella, ele estava em um constante hiato.
Era um hiato de paz. Calmaria. Plenitude.
Um hiato de arte.
As Artes pareciam tê-lo abandonado à própria sorte. Vagando sem rumo em um mar de desesperança.
Não conseguia mais externar a beleza do que sentia.
Não conseguia mais descrever o que antes enxergava na vida.
A vida não deixara de ser bela. Ele apenas não enxergava a beleza que nela havia.
Seus olhos estavam daltônicos devido a sua mente sã. 
Sã da embriaguez da paixão.
Agenor não era infeliz, muito menos feliz. 
Ele vivia em hiato.
Hiato em não amar.
Era um boêmio sem dinheiro para o drink da esquina, era um ditador sem a frieza do poder que continha, era um camaleão no vácuo do espaço - incapaz de se fundir ao fundo de astros.
Agenor era um artista sem paixão.
Uma vela apagada em plena escuridão, sozinha, fria e sã.
O drink que bebia era fiado, a arte que queria era perdida.
Ele olhava o copo da embriaguez, querendo beber dali o que bebia da paixão.
Mas como não era possível:
- Garçom, me traz mais um copo.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Crônica I

Quando cheguei naquela cidadezinha de interior, me encantei por aquele céu límpido e imenso. As noites eram iluminadas pelo brilho de incontáveis estrelas mesmo quando a lua resolvia tirar férias.
Os moradores eram simples, puxavam o r e chamavam um ao outro pelo primeiro nome. Extremamente receptivos, sorriam até mesmo aos estranhos estudantes que lá chegavam, ansiosos para exercerem a nova função de universitários.
Era estranho viver em uma cidade tão pacata em relação à Grande BH. Trânsito não parecia ter chegado lá ainda. Faixa de pedestre vi somente uma e em uma rua interditada há tempos atrás. O shopping era uma grande loja que vendia desde sapatos, botinas, relógios, meias à calcinhas, brincos e roupas de cama.
Foi naquela cidade de interior que aprendi a valorizar a calmaria de um dia no qual não se escuta uma buzina sequer. Naquela cidade, tão subestimada por olhos estrangeiros, residia um pouco do segredo para a felicidade: calmaria.
Calmaria para andar, calmaria para falar, calmaria para sorrir. O sorriso dos nativos - como os universitários chamavam os moradores - era lento, parecia surgir de dentro da alma com manha, preguiçoso em vir à tona, mas fiel em seu objetivo. O riso deles era fácil e aconchegante. Riso de gente que não sabe o significado de estresse. Delicioso. Lá eu me estressava com a lentidão das coisas.
Todos os nativos possuíam uma certa arte no falar. Vindo deles era natural, correto, esperado.
Eles não só puxavam o r, mas possuíam seu próprio modo de organizar as sentenças. Tinham um gosto especial pelos pronomes oblíquos. Só depois de muito tempo fui perceber que falávamos de modo diferente, de tão natural era o sotaque vindo deles.
A expressão que me chamou atenção adveio de uma situação peculiar.
Lá estávamos nós, universitários mais que dispostos - não pergunte a que -, socializando em uma reunião - vulgo farra -, quando uma das nossas amigas nativas veio reclamar das investidas de um certo rapaz.
- Tô eu lá, quietinha na fila do banheiro, o sujeito já vem me encostando - ela reclamava.
Aquela expressão me assustou. "Me encostar". Peculiar. Pude imaginar perfeitamente o certo rapaz segurando-a pelos braços como se ela fosse uma boneca de trapos e a encostando na parede, como se encosta uma vassoura, ou uma tábua, ou qualquer outro tipo de coisa que precise ficar encostada para ficar em pé - que, de certa forma, era o caso dela depois das diversas ingestões alcoólicas.
Depois disso percebi que todos aqueles sorrisos que me receberam de modo tão caloroso, falavam todos do mesmo jeito: vou te encostar, chegou me encostando...
E por mais que a imagem da vassoura encostada na parede sempre me viesse à mente quando ouvia essas expressões, eu conseguia abstrair um sentido diferente entre te encostar e encostar em você. A primeira era específica ao contato de uma pessoa com a outra.
Os nativos conseguiram mudar a estrutura da sentença e com isso atribuir um novo significado a ela. Um significado específico atribuído à uma situação específica num contexto específico.
Era lindo. Era arte no falar.
E lá ficava eu, nas reuniões sociais, não querendo que alguém encostasse em mim, mas que alguém me encostasse.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Desfaçam-se de seus pré-conceitos.
Limpem-se de suas pré-concepções.
Livrem seus olhos do véu da incompreensão.
Abram a mente.
Não busquem igualdade, busquem aceitação das diferenças.
O outro não é um espelho no qual deve se encontrar.
O outro são as possibilidades de caminhos que você poderia ter tomado. 
O outro lhe é incompreensível por não ser você, não por ser o outro.
Aceite o medo que tem do desconhecido e seja corajoso para desbravá-lo de braços abertos.
Tenha sede pelo desconhecido e aceite que, somente nele, a Redenção se encontra.
A tristeza que me toca não advém da impossibilidade de futuro.
Já me acostumei com o nosso impossível. Vivo dele.
A tristeza que me consome, não deixa meus risos virem à tona, é mais cândida, profunda.
É uma dor crônica, não latente.
Todas as sensações se adormecem nesse lago opaco de lamúrias.
Lamúrias não pela impossibilidade. Já lhe disse, vivo dela.
Lamúrias por não ter externado toda aquela loucura que sentia.
Lamúrias por não ter mostrado ao mundo o quanto te amar foi belo.
Lamúrias por não ter gritado toda a ternura, a necessidade, o desejo dos dias ensolarados.
Lamúrias por ter que ouvir os mesmos gritos vindos de outros lábios.
Lábios que tocam o que antes era meu. De minha posse. Meu.
E que agora só existe na impossibilidade.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Seu pai estava extremamente intrigado com a recente relação de seu filho com a vizinha da frente.
Ele passava o dia ruminando sobre o que os dois tanto conversavam incessantemente. 
Arranjavam desculpas para se encontrarem na esquina e lá ficavam, por horas a fio, discorrendo sobre o que apenas o mais imaginativo dos homens poderia imaginar.
Desde que estavam livres das obrigações diárias, fosse dia, fosse noite, fosse chuva ou fosse sol, lá estavam os dois a conversar.
Na esquina. No portão. Encostados no muro. Ou apenas em pé no passeio. 
Era sempre possível vê-los ali, sempre tão intensos um com o outro em puro papo.
Aquela garota vizinha deveria ter um repertorio de assuntos bem abrangente, o pai pensava, era a única explicação.
E além de saber sobre assuntos variados, ela provavelmente também saberia à fundo cada um deles, de tão inesgotáveis que eram as conversas.
Até que um dia, os assuntos pareceram ter findado. Os encontros foram escasseando até se tornarem raros e, logo depois, extintos.
O pai então, após passado um certo tempo de lamuriosas saudades, resolveu perguntar ao filho o que tanto lhe intrigava.
O filho respondeu que, diferentemente das impressões do pai, a garota vizinha possuía uma gama de assuntos extremamente simplória.
O pai, mais intrigado ainda, perguntou porque então eles conversavam tão incessante sobre banalidades. Não lhe parecia possível repassa-las por mais que três vezes durante toda a vida.
O filho suspirou profundamente e explicou que sua relação com a garota vizinha era como fumar um cigarro ao esperar por um ônibus no ponto com um cérebro exausto depois de um longo dia de trabalho.
Um gesto autônomo que se faz. Que não é preciso qualquer tipo de raciocínio lógico.
Fazer por fazer só para não estar fazendo nada.
O pai perguntou então porque tal relação tinha acabado sem qualquer conflito aparente. Conversas banais não deveriam gerar conflitos - sobre o que terão conflito de princípios e ideias? Futilidades?! 
Todo cigarro apaga, né, pai?! - respondeu o filho, apenas.
A garota vizinha não tardou a se mudar. Se seu filho sabia do motivo, também não aparente, não lhe comunicou.
Uma semana depois, virou fumante.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

É tão natural nossa capacidade de tecer um véu da verdade no que queremos que seja.
O nosso intelecto é intrínseco e complexo de tal forma que nossa percepção da realidade é distorcida.
Somente quando despimos nossa apreensão da realidade do véu das nossas necessidades emocionais conseguimos abstrair a verdade dos momentos.
Mas a realidade imparcial é incapaz de suprir nossa necessidade do outro.
A imparcialidade do ser seria a nossa ruína.
Todos os momentos seriam os mesmos.
Todas as pessoas seriam deléveis.
Todos os amores seriam extintos.
E o objetivo da vida deixaria de existir.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

É demais querer que seus olhos pousem só em mim?
Querer que somente a minha essência intrigue sua mente?
Que só o meu cheiro lhe desperte desejo?
Que só o meu toque lhe acalme a alma?
É demais querer possuí-la em meu domínio, minha prisão?
Sem visitação. Sem banho de sol diário. Não quero que o sol queime sua pele. Ela é minha.
Quero-a encarcerada em mim.
A necessidade do meu amor seria a sua ruína se decidisse interceder por suas vontades.
Mas, mesmo na sua loucura - na minha loucura -, prefiro viver na sua impossibilidade do que na desgraça da sua plenitude.
Ser pleno em meu amor seria o mesmo que ser o mandante e executor da sua morte.
Seu carrasco. Meu carrasco.
Como um câncer, comeria sua alma, sua força, seu brilho.
Depenaria suas asas para não mais voar para longe.
E quando tudo já tivesse se ido, quando minha sede já tivesse sido saciada, o amor iria também.
As asas que a fizeram voar até meus olhos teriam-se ido na minha ânsia de tê-la.
Meu amor pelo pássaro deixaria de existir quando pássaro você não mais fosse.
Apenas plane à minha volta, longe do meu alcance, longe do meu amor.
Ele será a sua morte.
E, por consequência, a minha.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Agenor sofria de um problema.
Não podia matar sua sede por Ella.
Queria ser metal. Fundir.
Era como um sedento que fizesse dela sua água. 
Tê-la aos sorvos.
Ela lhe trazia um alívio que somente poderia ser entendido pelos sedentos e famintos.
A urgência com a que a olhava era ânsia em satisfazer uma necessidade primal.
Ella teimava em lhe negar desta água.
Sempre se escondendo com mãos, lençóis e camisas.
Enquanto ele queria despi-la, tê-la andando livremente pelo quarto a procura de algum objeto perdido, ela insistia em cobrir-se com pedaços de farrapo inconvenientes. Ah, se ela lhe fosse bondosa e matasse sua sede! Observaria cada pequeno detalhe, trejeito. Teria-a por completo. 
Às vezes, pensava que Ella sabia do seu tormento e o torturava.
Deleitava-se no seu sofrimento e angústia. Seu sorriso por vezes lhe era maroto demais ao puxar de um lençol.
Como quem diz: você já teve o suficiente por hoje, querido.
E ele, ao olhar para o tecido onde desejava ver pele, sorria tristemente: nunca será suficiente, querida. Somente a morte mata o anseio de uma vida.